26 janeiro, 2007

A dentista de Bonsucesso.

Quando as pessoas me perguntam por que vou a um consultório tão longe nem eu sei responder, às vezes. Fico me perguntando porque passo pela Praça das Nações e ouço aquela montoeira de Kombis berrando, só para ir à dentista, quando posso muito bem ir a um lugar menos caótico. Eu sempre prometo pra mim mesma que vou mudar de dentista, mas na verdade, gosto do trabalho da Marlene. Ela é uma profissional talentosa. Mas o seu talento é tão grande quanto sua peculiaridade[1].
O consultório de Marlene é completamente diferente de qualquer outro que eu já tenha entrado antes. Na sala de espera, cabem três pessoas, somente. A secretária precisa pular os pacientes que estão sentados, para chegar até a porta, já que a mesinha, repleta de revistas Caras, Quem e Contigo, deixa o ambiente ainda mais apertado. A sala de atendimento, bem diferente da outra, é enorme; até uma mini cozinha tem. É possível notar a peculiaridade de Marlene assim que adentramos no recinto. Ela gosta de mostrar suas duas coleções para os pacientes, antes de atendê-los. Do lado esquerdo, temos um mundo de Barbies! Bonecas de cores e tipos que nunca pensei que pudessem ser fabricadas: loiras, morenas, negras, japonesas, com vestido de festa, em trajes africanos, grávidas, dentistas, macumbeiras, sereias, princesas, crianças etc. Do lado direito, a mesma variedade presente nas bonecas se reflete em escovas de dente. Em frente à cadeira do paciente, estrategicamente localizada, temos uma TV com DVD – Marlene a-do-ra trabalhar ouvindo Roupa Nova e Chitãozinho e Xororó. Atrás da cadeira fica o Notebook, que ela usa freneticamente.
Hoje precisei ir ao encontro de Marlene. Um dente quebrado me fez ir até lá. Cheguei e toquei a campainha. A secretária demorou a abrir, mas eu sabia que ela estava a caminho porque pude ouvir o barulho de seus passos, pulando as outras duas pacientes que aguardavam sentadas, cada uma com uma revista na mão. Sentei-me e esperei. Saiu uma paciente e entrou outra, que parecia ser uma velha amiga. Esperei mais dez minutos e a secretária me mandou entrar. Estranhei por não ter visto a outra moça sair de lá de dentro, mas fui assim mesmo. Entrei e vi Marlene folheando uma revista Avon, enquanto mandava a outra paciente – sentada perto do Notebook - anotar seus pedidos. Sentei-me naquela cadeira, que mais parece um monstro cheio de braços. Marlene continuou entretida com a revista e eu comecei a me arrepender de não ter procurado outra dentista. Distraí-me vendo o DVD do Roupa Nova. “Não é Chitãozinho e Xororó, pelo menos!”, pensei. Depois de uns minutos, Marlene lembrou-se de mim:

- “Oi! Desculpa, menina. Tava vendo umas coisas aqui pra mim!”

Ela abriu minha boca e começou a trabalhar, mas a paciente da revista de cosméticos não saiu. Então, as três – Marlene, a secretária e a paciente - começaram a conversar:

- “Ah, Marlene, deixa ele pra lá.” – Disse a paciente.
- “Você sabe que quando ele tava nervoso, disse que queria dividir até as brocas do consultório?!” – Respondeu Marlene e, virando-se pra mim, continuou. “É que eu to me separando, sabe?”
- “Ela precisa arrumar um namorado!” Bradou a secretária, indignada com o que sua patroa acabara de dizer.

E as três seguiram conversando, enquanto Marlene se ocupava do meu dente. Aquela situação começou a ficar realmente incômoda. Ao mesmo tempo em que eu era obrigada a ouvir comentários a respeito da vida pessoal de minha dentista, tive que aturar um pout-pourri de música dos Beatles, cantado pessimamente por um coro completamente tosco, feito pelos integrantes do Roupa Nova. Comecei a suar de nervosa. Marlene me mandava cuspir, mas eu ficava com vergonha porque bem atrás de mim estava a paciente das revistas, de olho na minha saliva. Ela fazia questão de mostrar que via aquele fiapo de baba, que fica pendurado, quando a gente cospe naquela maquininha de consultório dentário, só para me inibir. Acho que ver Marlene enfiar algodões e tirá-los cheios de baba da minha boca, a divertia. Como se não fosse suficiente, chegou um homem de sobrancelhas despenteadas, pelo qual Marlene demonstrou grande amizade e mandou que se juntasse ao chá dançante, em que havia se transformado minha consulta. Eu, que já sofria com aquele motorzinho na minha boca e com a presença da pciente-que-gosta-de-observar-a-saliva-dos-outros, me senti aliviada, quando a secretária o levou para tomar café na cozinha.
No final da consulta, o homem havia voltado para sala e estavam todos conversando alegremente, vendo Marlene acabar seu trabalho no meu dente.

- “Ta alto?” - Perguntava Marlene, enquanto cutucava meu dente.

Eu não conseguia responder porque ela estava com a mão enfiada na minha boca, junto com instrumento, que mais parecia ser de tortura.

- “Ta alto?” - Mais uma cutucada. - “Hein?! Hein?!” - Mais algumas cutucadas. – “Por que você não responde, menina?!” – E cutucava mais – “Aaahn.. E agora?”

Até ela perceber que eu não conseguia responder porque estava com a boca cheia de ferros e dedos, demorou mais algumas cutucadas. Marlene é assim mesmo. Ela gosta de conversar com a gente, enquanto estamos com a boca aberta. Pulei os outros pacientes que aguardavam e saí pela porta. Eu juro que vou procurar uma dentista mais perto de casa, da próxima vez.

[1] Isso é um eufemismo para esquisitice, mesmo.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

hauahuauaauhau
Cara, isso me lembra mt da minha destida de infância (que eu frequentei de 6 em 6 meses até os 15 ou 16!), que ficava falando com a minha mãe enquanto eu, de boca aberta nd podia dizer. E como falavam em cima da minha boca aberta! Isso me marcou!

Um beijo meninas!

e um beijo pra doutora Isabel.

12:56 AM  

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