Digressões Cariolistas

25 maio, 2010

Texto interessante sobre a atual crise na Europa

O texto tem uma pitada de previsão espiritual sobre o futuro do mundo, mas, no geral, faz uma análise bem legal.
O POVO DA GRÉCIA
LUTA PELA HUMANIDADE

Por Miguel Urbano Rodrigues

As gigantescas manifestações de protesto do povo grego contra a política do Governo do Partido Socialista e as medidas impostas ao país pela União Europeia e o FMI iluminam nestes dias a amplitude e complexidade de uma crise sem precedentes.
A grande maioria da Humanidade não tomou ainda consciência de que o seu futuro é inseparável da luta de classes em desenvolvimento na terra que foi berço da civilização europeia e do conceito de democracia política.
Um sistema mediático controlado pelo imperialismo insiste em apresentar os acontecimentos da Grécia como episódio de uma crise financeira mundial prestes a ser superada.
Trata-se de uma inverdade. A Humanidade enfrenta uma crise global e estrutural do capitalismo que se agrava a cada semana nas frentes económica, financeira,social,politica, cultural, energética, ambiental e militar.
O MITO OBAMA
A crise iniciou-se nos EUA, o principal baluarte do imperialismo. A potência que os media portugueses insistem em apresentar como «a maior economia do mundo» entrou num processo de decadência irreversível. Os EUA são hoje o país mais endividado do mundo. A sua divida externa no final de 2008 atingia 13,77 milhões de milhões de dólares, o equivalente ao PIB do país; actualmente já o excede. É actualmente superior a todas as dívidas externas somadas da Europa, Ásia, África e América Latina. Uma divida impagável, anunciadora de um estouro que abalará o mundo. Por si só, a China é possuidora de mais de 900 mil milhões de dólares em reservas de dólares e títulos do Tesouro norte-americano.
Por que se mantém então a hegemonia dos EUA?
Dois factores a garantem. O primeiro é o seu imenso poderio militar. O outro a permanência do dólar como moeda de referência no comércio internacional, nomeadamente a divisa utilizada nas transacções do petroleo.E não há controlo para a emissão do bilhete verde.
Mas como os EUA se transformaram numa sociedade parasitária que consome muito mais do que produz, o país avança para um desastre, sem data no calendario, de proporções colossais.
O gigante tem pés de barro. O seu deficit comercial ultrapassou um milhão de milhões de dólares no ano passado. Este ano será superior.
Como a acumulação capitalista não funciona mais de acordo com a lógica do sistema, Washington, na fidelidade a uma estratégia de dominação universal, saqueia os recursos naturais de dezenas de países e desencadeia guerras de agressão ditas «preventivas» com a cumplicidade dos seus aliados da União Europeia.
Neste contexto o presidente Barack Obama, apresentado pela propaganda como politico progressista e humanista, desenvolve uma politica que é indispensável e urgente desmistificar porque configura uma ameaça à Humanidade.
A falsificação da Historia não pode apagar a realidade. O homem distinguido com o Nobel da Paz ampliou a politica belicista de Bush. Manteve a ocupação do Iraque, intensificou a guerra de agressão no Afeganistão, iniciou os bombardeamentos no Noroeste do Paquistão, mantém a aliança com o sionismo neofascista israelense.
Crimes monstruosos, sobretudo no Afeganistão, comparáveis aos das SS nazis na II Guerra Mundial, são cometidos rotineiramente pelas Forças Armadas dos EUA. A barbárie militar tem aliás por complemento uma vaga de barbárie cultural. Essa é porém assunto a que os grandes media dedicam atenção mínima. Seria incomodo lembrar a destruição e saque de patrimónios da Humanidade na antiga Mesopotamia. Informar por exemplo que nas ruínas de Babilónia estacionam tanques da US ARMY, que a maior base americana no Afeganistão, Begram, está instalada no espaço arqueológico de Kapisa, a antiga capital da desaparecida civilização Kuchana.
O Nobel da Paz dos EUA é o primeiro responsável pelo golpe de Estado nas Honduras (ver odiario.info de 26 de Julho e 1 de Dezembro de 2009), retoma a politica de hostilidade à Revolução Cubana, volta a enviar a IV Esquadra para aguas da América Latina, ameaça a Venezuela Bolivariana, o Equador e a Bolívia, cria 7 novas bases militares norte-americanas na Colômbia, instala em África o AFRICOM, um exercito permanente dos EUA naquele Continente, bombardeia a Somália e o Iémen.
O presidente dos EUA é elogiado como defensor de um mundo sem armas nucleares. Mas na recente Conferencia sobre Desnuclearizaçao ameaçou usá-las contra o Irão, se o seu governo não se submeter às exigências de Washington.

A CUMPLICIDADE COM A FINANÇA
Diariamente lemos nos jornais portugueses e ouvimos em programas televisivos em que pontificam politólogos do sistema que a recessão terminou na maioria dos países da União Europeia, que a retoma é uma realidade e que nos EUA a economia cresceu no ultimo trimestre mais do que o previsto. A Grécia, Portugal, a Espanha, a Irlanda e a Itália seriam excepções. A «turbulência» dos mercados mantinha-se, com bruscas oscilações nas bolsas, mas isso resultaria da acção de especuladores.
Os governantes e a comunicação social esforçam-se por persuadir os povos de que tudo voltará em breve à normalidade graças a sábias politicas financeiras-insinua-se- que salvaram a banca e a medidas de austeridade impostas pela necessidade de reduzir os deficits orçamentais. Em Portugal o PEC seria a solução salvadora. Com custos, é um facto, mas a hora exigiria sacrifícios de «todos» a bem da pátria.
O discurso da mentira e da hipocrisia pode mudar na forma, mas o seu conteúdo é fundamentalmente o mesmo de Washington a Paris, de Tóquio a Londres.
O objectivo é enganar os povos para impedir que a intensificação das lutas sociais abale as bases do sistema.
Uma vez mais são os EUA quem comanda a campanha de desinformação.
Na realidade, muita pouca coisa mudou ali no mundo corrupto da finança. Centenas de milhoes de dólares foram injectadas no «mercado» pela Administração Obama, mas não para acudir às grandes vítimas da crise, as camadas mais pobres do povo norte-americano. As medidas tomadas pelo Governo Federal visaram salvar da falência os responsáveis pelas acções criminosas que desencadearam a crise, sobretudo a grande banca, as seguradoras, os gigantes da indústria automóvel.
Os patrões da finança são os mesmos e continuam a atribuir-se salários e prémios milionários (em Portugal acontece o mesmo) e retomam os métodos fraudulentos que estão na origem do tsunami financeiro.
Prémios Nobel da Economia como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e académicos de prestígio mundial como Naom Chomsky arrancam a máscara ao governo federal, desmontando a mentira da recuperação. Acusam frontalmente Obama de, ao invés de punir os cardeais da finança ter colocado muitos deles em postos chave da Administração.É o caso do secretário do Tesouro, Timothy Hitler, um ex-magnata de Wall street, hoje responsável pela política monetária do país . Mais expressivo ainda é o caso de Larry Summers. Esse homem foi, durante o governo de Clinton o autor intelectual da revogação da lei que impedia a chamada «desregulamentação», isto é as politica criminosas que provocaram falências em cadeia. Que fez Obama? Nomeou-o seu assessor económico.
Em 1929, no auge da crise iniciada com o crash de Wall Street, John Kenneth Galbraith, o eminente economista liberal afirmou que «o sentido de responsabilidade da comunidade financeira perante a sociedade (…) é praticamente nulo».
Nada mudou desde então.
Obama comprometeu-se a reformar profundamente o sistema financeiro. Mas, em vez de cumprir a promessa, manteve os privilégios dos cardeais da finança.
O desemprego, entretanto, cresce. A pobreza alastra em cidades como Detroit (antes pulmão da industria automobilística) e Pittsburg (antiga capital do aço) onde bairros inteiros, desabitados, oferecem uma imagem de decadência que nega os slogans do american way of life.
A chanceler Merkel e o presidente Sarkozy bradam que «é preciso refundar o capitalismo». Mas, conscientes de que o capitalismo não é humanizavel, tudo fazem para o recauchutar.

O EXEMPLO DA GRÉCIA
Foi ilusório acreditar que a Europa escaparia aos efeitos da crise nos EUA.
Sucedem-se as crises na Islandia, na Espanha, na Irlanda, em Portugal, na Grécia.
O euro desvaloriza-se em ritmo alarmante. A taxa de desemprego atinge já os 20% em Espanha. Na Alemanha e na Grã-bretanha a gravidade da crise será transparente após as eleiçoes.Em França, Sarkozy tenta em vão ocultar o profundo descontentamento do povo que se expressa na amplitude assumida pela contestação social.
Na Grécia a economia desmoronou-se.De repente o país ficou à beira da bancarrota. O alarme foi tamanho em Bruxelas que os grandes da União Europeia, temendo o contágio, aprovaram com o FMI, após tumultuosos debates, marcados por contradiçoes e hesitações, um plano dito de «ajuda» que na realidade impõe ao país medidas que, a serem aplicadas, o reduziria à condição de colónia administrada pela finança internacional.
Subestimaram o espírito de luta do povo grego, a sua firmeza no combate em defesa de direitos históricos adquiridos há muitas décadas.
Quatro greves gerais em poucas semanas expressaram a recusa dos tralhadores gregos a submeter-se ao chamado «programa de austeridade», eufemismo que encobre as exigências impostas pelo grande capital, violadoras da soberania nacional.
A greve do dia 5 de Maio, gigantesca, paralisou o país. Centenas de milhares de trabalhadores protestaram em Atenas e 68 outras cidades contra a agressão exterior mascarada de «ajuda».
Como era de esperar, os media internacionais desinformaram na Europa e nos EUA. Reduziram a dimensão do protesto e deturparam o significado da grande jornada de luta.
Mas o objectivo de caluniar o povo grego não foi atingido. Era impossível ocultar que o país parou. Transportes, escolas, hospitais, fábricas, portos, aeroportos, comércio;o sector privado juntou-se ao publico.
Provocadores da direita incendiaram um banco; pretenderam responsabilizar os manifestantes pela morte de três cidadãos. A manobra fracassou porque o protesto foi pacífico, excluindo todas as formas de violência.
Os governantes e banqueiros da UE insistem em falar do «caos grego», criticam os grevistas que se opõem a medidas de austeridade concebidas para «salvar o país». Mentem conscientemente. A Grécia projecta nestas semanas a imagem de uma luta de classes exemplar na qual o seu povo, no confronto com o capital, assume o papel de sujeito histórico. O mundo do trabalho não está disposto a pagar a factura da politica capituladora que lhe é imposta, prevista aliá no Tratado de Maastricht:eliminaçao dos 13º e 14º salários, redução de pensões de reforma, corte brutal nos salários, congelamento dos mesmos, etc.
No dia 4 de Maio, reagindo à estratégia de Bruxelas, o Partido Comunista da Grécia-KKE, ocupou simbolicamente a Acrópole, em Atenas, e desfraldou naquela colina milenar bandeiras com uma inscrição desafiadora: «Povos da Europa levantai-vos!»
O KKE está consciente de que a Europa não se encontra no limiar de uma situação pré-revolucionária. Na própria Grécia não estão reunidas condições para um assalto ao poder.
Nem por isso o brado revolucionário do KKE é menos comovente e oportuno.Tambem em 1848 Marx sabia, quando redigiu com Engels o Manifesto do Partido Comunista, que a Revolução socialista na Europa não iria concretizar-se no futuro próximo. Mas o grito «Proletários de todos os países uni-vos!» ecoou no Continente como incentivo à luta de classes, desencadeando um vendaval de esperança nas massas oprimidas.
As grandes revoluções não se forjam em dias, sequer em meses ou anos. Não existe para elas data previsível porque resultam de uma soma de pequenas e grandes lutas inseridas em contextos históricos favoráveis.
Os comunistas gregos não ignoram que a derrota do capitalismo vai tardar. Mas adquiriram há muito a convicção inabalável de que deve ser frontal e sem concessões o combate ao sistema que invoca a necessidade de «reformas» e de «politicas de austeridade» para reforçar a opressão social.
Uma certeza: a crise, na Grécia e no mundo, vai agravar-se com pesado custo para o proletariado de novo tipo que engloba a nível planetário centenas de milhões de trabalhadores.
E não será dos Parlamentos transformados em instrumentos da dominação das classes dominantes que sairá a saída para a crise global que vivemos e ameaça a Humanidade.
Por isso mesmo, a exemplar lição de combatividade dos trabalhadores gregos e do seu heróico partido, vanguarda revolucionária na melhor tradição leninista, é tão importante, bela e simbólica.
Nesta primavera europeia do ano 2010, os filhos da Hellada voltam a lutar pela HumanidadeV.N.de Gaia, 9 de Maio de 2010

09 março, 2010

Agradecimentos

Terminar a graduação numa universidade pública no Brasil é privilégio para bem poucos. Dos jovens em idade universitária no Brasil, pouco mais 10% estão matriculados em alguma universidade, sendo que, desse total, 80% se encontram matriculados em universidades privadas. Além disso, não custa lembrar que o simples fato de ser aprovado no vestibular não garante a permanência do estudante na universidade; muitas vezes, os cursos de graduação são abandonados pela falta de condições de arcar com pesados custos, como passagens, livros, xerox, alimentação etc. Correndo o risco de importunar o leitor tão antecipadamente, quero apenas mostrar algumas dificuldades pelas quais passam o jovem estudante e ressaltar a necessidade de mudar esse quadro, caso desejemos transformar a sociedade.

Diante dessas constatações, não poderia deixar de agradecer à minha família: minha mãe, meu irmão e meu pai, por meu apoiarem e me estimularem nos momentos mais difíceis e por compartilharem comigo minhas conquistas (e as deles também). Desses três, não poderia deixar de agradecer especialmente à minha mãe, Terezinha, quem me passou importantes valores levados para a universidade, quem bancou esses quatro anos e meio de faculdade de História (e outros cinco anos de faculdade de Direito, cursada por meu irmão, Rodrigo) e, por fim, quem quase enlouqueceu com minhas noites prolongadas em Niterói depois das aulas das 22h. Ao meu irmão, agradeço principalmente por compartilhar comigo sua experiência universitária, como chegar atrasado naquela aula chata. Ao meu pai, Lúcio, agradeço por ter vibrado com cada progresso meu e, é claro, também por ter me ajudado a bancar minhas viagens para Niterói (não foi barato, gente!). Além desses três, também agradeço aos meus avôs Luis e Ytay, às minhas avós Uda e Yeda e à minha tia-avó Yaty. Agradeço ainda à Elizângela, que cuidou de mim nesses quatro anos, como se fosse da família.

Agradeço também às amigas dos tempos de Pedro II, que, mesmo de longe, torceram (e torcem) por mim sempre. Apesar dos diferentes caminhos que escolhemos, tenham a certeza de que vocês são parte fundamental na minha vida. São elas: Bruna, Carol, Deborah, Marcela, Tatiana, Tatiane e tantos outros que em acompanharam em 10 anos de CPII. Quem diria que eu seria professora, hein? Dessas amizades – todas importantíssimas –, agradeço especialmente à Marcela, por dividir comigo as angústias e descobertas da adolescência e por aceitar que eu tenha me tornado uma pessoa totalmente diferente e ainda assim continuar sendo minha melhor amiga.

Durante a graduação, fiz incontáveis amizades, que conviveram comigo durante muito ou pouco tempo. Tem aqueles da minha turma (2/2005) que eu conheci num boteco em Vila Isabel, antes mesmo de começarem as aulas: Bia, Bernardo, Diogo, Jean e Nathália. Ainda guardo aquele rótulo de Skol. Tem outros amigos da minha turma que conheci depois, mas que são tão importantes quanto os primeiros: Daniel, Elaine, Michel, Rafael, Raphael, Rayla, Rodrigo Ayupe e Taiguara. Tem outros, ainda da minha turma, que eu não fui com a cara no começo, mas que, no final, se revelaram não só amigos, mas companheiros de luta no movimento estudantil e de importantes discussões acadêmicas, como o Paulo e o Artur. No movimento estudantil, tive a oportunidade de conhecer pessoas incríveis, como Daniel Tomazine, Gil, Giovanna, Ivan, Lucas Hippólito, Mariana, Renato e Wesley. Isso sem contar com os amigos que fiz em oportunidades diversas, como André, Bárbara, Flávio, Gabriel Melo, Gabriel Neiva, Guilherme, João Gabriel Bellot, Karina, Larissa, Leandro, Ludmila, Pablo, Renata, Tito e, principalmente, Fábio Frizzo e Layanna. A todos vocês, e àqueles que eu eventualmente esqueci (me perdoem), muito obrigada por terem feito parte dos melhores anos da minha vida. Espero poder reencontrá-los com freqüência no meu futuro.

Gostaria de agradecer também a alguns professores, por me ajudarem a compreender a sociedade de uma maneira diferente. São eles: Carlos Gabriel, Ciro Cardoso, Marcelo Rosa, Marcos Alvito, Norberto Ferreras e, especialmente, Marcelo Badaró e Mário Jorge, por uma interessante experiência na coordenação do curso, por acreditarem na competência dos alunos, lutando ao lado deles e pela grande amizade. Marcelo Badaró merece um agradecimento ainda mais especial (se é que isso é possível) não só por ter orientado este trabalho, mas também por ter se mostrado um grande amigo no momento em que eu mais precisei. Valeu, chefia! Agradeço às pessoas que fazem a universidade funcionar como os funcionários técnico-administrativos, os faxineiros, os vigilantes etc. Em especial, à Juceli e Alessandra, que também me ajudaram muito sempre que precisei, e à Ediléia, responsável por minhas xerox!

Por último, agradeço a Marco Pestana, por ler este trabalho e fazer valiosas sugestões em primeira mão, por ter dividido comigo alguns ótimos anos de lutas, estudos e diversão na História – UFF, por estar na minha vida há três anos incríveis, por me apoiar em todas as minhas crises histéricas, por rir de mim e rir comigo, por me ensinar muitas coisas e também aprender comigo, por me fazer feliz e por me amar.
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PS: A monografia ficou uma titica. Quem quiser ler, acho melhor esperar até a dissertação ficar pronta.

13 maio, 2009

Um pouco do cotidiano...

Capital Constante e Variável X Capital Fixo e Circulante - Ou Livro I X Livro II
Além da separação do capital produtivo entre capital constante (maquinaria, instalações, matérias-primas, matérias auxiliares, instrumentos de trabalho etc) e capital variável (força de trabalho), que é definida por Marx no Livro I, no Livro II uma diferente perspectiva determina a nova divisão dos elementos produtivos entre capital fixo e capital circulante, a qual leva em consideração não a capacidade de conservar ou adicionar valor durante o processo produtivo (no caso, capital constante e capital variável, respectivamente), mas sim a maior ou menor fixidez dos elementos produtivos.

Para entendermos melhor tais conceitos é preciso, antes de tudo, defini-los de forma clara, para evitar confusões conceituais – é o que faremos mais adiante. Feito isso, podemos prosseguir com a comparação entre as categorias utilizadas no Livro I (constante X variável) e no Livro II (fixo X circulante). Comecemos, portanto, pelo capital constante.

O capital constante pode ser definido como aquela parte do capital que constitui-se de elementos que conservam, através da mediação da força de trabalho, seu valor durante o processo produtivo. Assim, determinado instrumento de trabalho, por exemplo, conserva parte de seu valor em cada mercadoria produzida com o seu uso. A realização do seu valor-de-uso é o meio pelo qual seu valor é conservado em uma mercadoria diferente de si. Por não gerar nenhum valor além daquele que já possui, os meios de produção são entendidos como a parte constante do capital. De acordo com o próprio Marx,

“A parte do capital, portanto, que se converte em meios de produção, isto é, em matéria-prima, materiais acessórios e meios de trabalho não muda a magnitude de seu valor no processo de produção. Chamo-a, por isso, parte constante do capital, ou simplesmente capital constante.”[1]

A parte variável do capital, ao contrário do que acontece com a parte constante, caracteriza-se por ter a magnitude de seu valor acrescida durante a produção. Esse excedente é resultado da característica especial do valor-de-uso da força de trabalho, a qual, ao ser consumida, gera mais valor, além de conservar o valor já existente nos meios de produção. Nessa lógica, a mais-valia é o que gera a alteração do valor do capital variável.

De modo geral, podemos dizer que a principal diferença entre capital constante e capital variável é determinada pela forma de “participação” (objetiva ou subjetiva) na formação do valor da mercadoria final. Enquanto o primeiro “cede” parte de seu valor total, o segundo, além de viabilizar esse processo, incorpora à mercadoria final valor adicional.

Avançando para o Livro II, vejamos o que é capital fixo. Como já foi dito, a distinção entre as partes fixa e circulante do capital é desenvolvida com base na maior ou menor fixidez de seus elementos. Nesse sentido, obviamente, o capital fixo é formado por aqueles elementos que demoram muito mais tempo para esgotar seu valor (com a deteriorização de seu valor-de-uso) em comparação com outros elementos que se esgotam em apenas um processo produtivo, como, por exemplo, as matérias-primas. Fazem parte do capital fixo, então, todos aqueles elementos que participam de muitos processos produtivos (grandes máquinas e instalações), sendo a sua necessidade de renovação pouco freqüente e ocasional. Não devemos, porém, restringir esta avaliação a termos físicos. Capital fixo não equivale à imobilidade e sim à durabilidade. Já o capital circulante é justamente o oposto da parte fixa. Nesse sentido, ao invés de elementos duradouros, possui itens que se esgotam inteiramente em um ou poucos processos produtivos e, por isso, devem ser renovados constantemente, para que o capital siga seu processo de produção e reprodução. Seus valores são consumidos inteiramente em pouco tempo e, por isso, devem ser substituídos assim que se esgotam, o que exige uma constante circulação de capital-dinheiro para sua reposição. Daí o seu caráter circulante. Podemos citar como exemplos de capital circulante a força de trabalho, matérias-primas e auxiliares.

As diferenças entre capital fixo e circulante são muitas – quantidade em circulação, impacto da demanda na produção global, periodicidade da reprodução, manutenção de estoques etc -, mas o fundamental é perceber as distintas formas de circulação do valor: enquanto o valor do primeiro encontra-se preso à produção (até que seu valor-de-uso acabe ou se torne obsoleto), o valor do segundo permanece em circulação, (sob a forma capital-dinheiro, capital-mercadoria ou capital-produtivo) num movimento ininterrupto (a não ser por fatores excepcionais) de entrada e saída (para a renovação) do processo produtivo.

Após a exposição dos conceitos, passemos a sua confrontação.

Em termos lógicos, podemos construir as seguintes afirmações, a partir do que foi dito até aqui: 1) O capital constante divide-se entre sua parte fixa (máquinas e instalações) e circulante (matérias-primas e auxiliares); 2) Todo o capital variável é capital circulante; 3) O capital circulante compõe-se de capital constante e capital variável; 4) Todo o capital fixo é capital constante; 5) Todo o capital fixo é, em alguma medida, circulante.

De acordo com a primeira afirmação, percebemos que a ideia de que capital constante e capital fixo são a mesma coisa é completamente absurda. Isso porque se os valores das matérias-primas e das matérias auxiliares, por exemplo, permanecem em constante circulação, jamais pode-se admitir que elas sejam incluídas na categoria de capital fixo. Temos, então, uma primeira diferenciação entre os conceitos usados nos livros I e II.

A segunda assertiva, sobre o enquadramento total do capital variável na categoria de capital circulante explica-se pelo fato de que a força de trabalho necessita ser renovada constantemente (por meio dos salários). Logo, o valor do capital variável (gasto com os salários) está em circulação permanente, caracterizando um fluxo de renovação periódica e não ocasional, como se verifica no capital fixo.

Levando-se em consideração as justificativas dadas para as afirmações 1 e 2, fica fácil chegar à terceira, uma vez que esta, nada mais é do que a conclusão lógica do que foi dito nas suas antecedentes. Se parte do capital constante é circulante e o capital variável é, igualmente, circulante, devemos admitir que este constitui-se de capital constante e capital variável, o que demonstra que é um erro considerar que capital circulante é o mesmo que capital variável.

A quarta afirmativa é um pouco mais complicada porque pode levar a equívocos. Dissemos que todo o capital fixo é capital constante, uma vez que nenhuma porção do capital variável se inclui em tal categoria. Mas, não podemos, em nenhuma ocasião, considerar que todo o capital constante seja fixo, por razões que já explicitamos quando dissertamos sobre a primeira proposição.

A última assertiva, à primeira vista, pode parecer contraditória, mas uma análise mais acurada demonstra o porquê de sua coerência. A diferença fundamental entre capital fixo e circulante é a forma de circulação de seu valor. Capital circulante se caracteriza por ter seu valor em circulação permanente e capital fixo por ter seu valor preso ao processo produtivo. Contudo, admitindo-se que todo capital fixo seja constante, parte de seu valor permanece em circulação, uma vez que a mercadoria carrega uma parte alíquota de seu valor, conservado através da força de trabalho. Portanto, ainda que o capital fixo esteja preso à produção, partes de seu valor estão em circulação, corporificadas nas mercadorias.

Para concluir, devemos estar atentos às mistificações que o uso indevido de tais conceitos podem provocar. Encarar o capital produtivo como mera soma de capital fixo e capital circulante oculta o verdadeiro processo de produção da mais-valia, uma vez que esta passa a surgir do capital (circulante) e não da força de trabalho. Além disso, não devemos confundir capital variável e capital circulante com a força de trabalho, pois capital variável e capital circulante são formas de manifestação do capital em seu movimento, que serão gastos com os salários; já a força de trabalho não é o mesmo que salário, dado que seja um valor-de-uso a ser empregado na produção. De nada adiantaria despender parte do capital industrial com salários, se a força de trabalho não tivesse seu valor-de-uso especial de gerar valor excedente.

[1] MARX, Karl. O Capital - Crítica da Economia Política Livro I - O processo de produção do Capital. Vol. 1, Civilização Brasileira - RJ. p. 244.

04 fevereiro, 2009

Noite Fria em Verão Porteño.

Após algumas horas de caminhada pelas ruas retilíneas de Buenos Aires, resolvera voltar para casa. O cansaço dominava e não tinha mais ânimo para ver pessoas andando para cima e para baixo, preocupadas com sua mediocridade cotidiana. Não que se achasse superior aos demais; o que lhe incomodava era o fato de que ninguém conseguia perceber a melancolia que se escondia sob os olhos risonhos de quem toma sorvete. Além disso, não lhe agradava a atmosfera frívola da calle Florida, com seus descontos de 50, 60 e até 70%, bem como suas infinitas parcelas (sin interés!). Ah, sim... Um banho era exatamente do que precisava para reparar o espírito e para aliviar a sensação angustiante de calor. Sim, voltaria para casa. O mais rápido possível.

Durante o regresso pensava em sua jornada solitária. Estava só há poucas horas, mas estas foram suficientes para fazer brotar-lhe a insatisfação e a má vontade com o resto do mundo. Como era possível que estivesse com esse péssimo humor, por conta de uma partida de poucas horas atrás? Era um capricho seu. E, entendendo o que passava consigo, sentiu-se um ser tão frívolo quanto os que desprezara há poucos minutos. Lembrou-se do episódio das Madres da Plaza de Mayo e quis aproximar sua saudade egoísta à dor da perda de um ente mas, ao se dar conta do absurdo, caiu ainda mais em seu próprio conceito. Resolveu entregar-se de vez e deixou-se contaminar pelos ares floridos do caminho. Olhou uma vitrine, depois outra e mais uma. Era difícil se livrar de tanto aborrecimento. Persistiu. Parou em frente a uma quarta vitrine, mas só conseguiu enxergar seu semblante carregado. Seguiu. Ainda lutava contra seu fluxo de pensamentos, quando viu algo de seu interesse. Entrou na loja, lançou olhares furtivos à direita e à esquerda e achou o que procurava. Próximo ao item que desejava percebeu que outro artigo lhe agradava. Mirou-o, mas distraiu-se ao reparar que muitas outras coisas chamavam sua atenção. E foi assim que, durante três quartos de hora esqueceu a causa de seus resmungos. Ah!, que poder as prateleiras de exposição exercem sob seus admiradores! Deixam tudo melhor e mais bonito; criam necessidades tão agudas quanto o próprio ato de respirar; por fim, apagam as ideias mais profundas dos seres mais concentrados.

A entrada do prédio não estava a mais de cem passos. Carregando algumas (não muitas) sacolas, quis livrar-se das moedas de pesos argentinos, pois deixaria o país na manhã seguinte. Procurou em todos os lados alguém que pudesse se interessar por elas, mas não obteve êxito em sua busca. O mais curioso é que antes, quando elas ainda eram-lhe úteis, surgiam oportunidades a cada esquina, mas agora não restou escolha a não ser devolvê-las ao bolso da calça. Que pena. Justamente quando sua natural generosidade se misturava à culpa...
Entrou na bela construção e agradeceu a si por refugiar-se do sol forte – ainda que já se contassem 19h – e por afastar-se de tanta agitação. Subiu as escadas distraidamente. Talvez ainda estivesse sob o efeito misterioso das prateleiras. Abriu a porta do apartamento e demorou alguns segundos para encontrar sinal da presença das outras pessoas que o ocupavam. Provavelmente isso não ocorreria se o espaço fosse um tanto menor. Dirigiu-se ao cômodo que lhe cabia e, chegando à soleira da porta, subitamente todos os pensamentos melancólicos retornaram. A imagem do quarto vazio, sem os pertences alheios, sem a bagunça usual do armário (em que os objetos de ambos se misturavam), sem a outra roupa de dormir em cima da cama, sem nada que indicasse que outra pessoa estivera ali, até horas atrás, causou-lhe pânico: acabara de reparar que passaria a noite só. Depositou as sacolas no chão e jogou-se na cama. Tentou acalmar-se pensando que logo estariam juntos outra vez. Afinal, as datas de regresso se desencontraram, apenas. Não era motivo para tanto alarde. Resignou-se. Como prêmio por seu bom comportamento, tomou uma ducha bem gelada. Sentiu-se melhor.

Com o intuito de fazer passar o tempo (mal podia esperar pelo reencontro) foi ver o que havia de novo na internet. Pela segunda vez, esqueceu todos os tormentos, mas agora o efeito encantador era outro, embora há quem diga que tal mistério e o das prateleiras tenham a mesma origem. Só recobrou a memória da solidão quando lhe disseram que o jantar estava servido. No entanto, fora apenas um flash, já que a fome sincera tomara-lhe toda a mente. Comeu e decidiu que era hora de ir dormir (durante o sono, as horas passam mais depressa). Encarou a cama vazia com coragem. Sentiu frio durante toda a noite, ainda que suasse com a alta temperatura do verão portenho. Intimamente sabia que nem as cobertas, nem todas as suas roupas e nem mesmo o estômago cheio poderiam aquecer-lhe. A cura ainda não estava ao alcance do mostruário mais próximo.

01 janeiro, 2009

Poesia Existencialista em Prosa – Divagações Sobre os Eus e os Nós.

No momento em que o nós está submetido ao eu, encontrei um outro eu tão insatisfeito quanto eu mesmo, em meio à incessantes tentativas de descontrução do nós. Juntamos nossas insatisfações e paixões e criamos um nós – no sentido numérico –, já que a vontade daquele eu de ficar ao lado meu era tão intensa quanto a vontade que eu mesmo tinha de ficar ao seu lado. Aquele nós, portanto, ultrapassou o sentido numérico e atingiu a completude essencial, comportando os diferentes desejos de dois eus, outrora diluídos em um nós em vias de fragmentação.
Aquele primeiro eu essencial deu lugar a um nós tão grande que este último saiu em busca de outros eus individuais para que fizessem parte desse novo e enorme nós. Esse novo nós cresceu, mas ainda não está completo; por isso segue em sua saga. Nesta longa trajetória, descobriu que não estava só: muitos outros tomavam a mesma direção e assim a alguns se uniu.
O interessante é que aqueles dois primeiros eus não foram o começo de tudo e sim uma pequena partícula na imensidão de outros eus e nós que se formam e se desfazem na incomensurabilidade do tempo. A sintonia entre aqueles dois eus não se perdeu pelo caminho, mas ninguém sabe até quando irá durar, visto que a essência individual do eu mesquinho e egoísta por vezes se sobrepõe à essência do nós essencial. Mas tal incerteza não os abala. Ao contrário, faz com que saibam que estão imersos no curso daquela grandeza incontrolável. E isto os tranqüiliza.

28 abril, 2007

Digressions II


23 abril, 2007

Digressions

"And isn't it ironic... Don't you think?"