Digressões Cariolistas

13 maio, 2009

Um pouco do cotidiano...

Capital Constante e Variável X Capital Fixo e Circulante - Ou Livro I X Livro II
Além da separação do capital produtivo entre capital constante (maquinaria, instalações, matérias-primas, matérias auxiliares, instrumentos de trabalho etc) e capital variável (força de trabalho), que é definida por Marx no Livro I, no Livro II uma diferente perspectiva determina a nova divisão dos elementos produtivos entre capital fixo e capital circulante, a qual leva em consideração não a capacidade de conservar ou adicionar valor durante o processo produtivo (no caso, capital constante e capital variável, respectivamente), mas sim a maior ou menor fixidez dos elementos produtivos.

Para entendermos melhor tais conceitos é preciso, antes de tudo, defini-los de forma clara, para evitar confusões conceituais – é o que faremos mais adiante. Feito isso, podemos prosseguir com a comparação entre as categorias utilizadas no Livro I (constante X variável) e no Livro II (fixo X circulante). Comecemos, portanto, pelo capital constante.

O capital constante pode ser definido como aquela parte do capital que constitui-se de elementos que conservam, através da mediação da força de trabalho, seu valor durante o processo produtivo. Assim, determinado instrumento de trabalho, por exemplo, conserva parte de seu valor em cada mercadoria produzida com o seu uso. A realização do seu valor-de-uso é o meio pelo qual seu valor é conservado em uma mercadoria diferente de si. Por não gerar nenhum valor além daquele que já possui, os meios de produção são entendidos como a parte constante do capital. De acordo com o próprio Marx,

“A parte do capital, portanto, que se converte em meios de produção, isto é, em matéria-prima, materiais acessórios e meios de trabalho não muda a magnitude de seu valor no processo de produção. Chamo-a, por isso, parte constante do capital, ou simplesmente capital constante.”[1]

A parte variável do capital, ao contrário do que acontece com a parte constante, caracteriza-se por ter a magnitude de seu valor acrescida durante a produção. Esse excedente é resultado da característica especial do valor-de-uso da força de trabalho, a qual, ao ser consumida, gera mais valor, além de conservar o valor já existente nos meios de produção. Nessa lógica, a mais-valia é o que gera a alteração do valor do capital variável.

De modo geral, podemos dizer que a principal diferença entre capital constante e capital variável é determinada pela forma de “participação” (objetiva ou subjetiva) na formação do valor da mercadoria final. Enquanto o primeiro “cede” parte de seu valor total, o segundo, além de viabilizar esse processo, incorpora à mercadoria final valor adicional.

Avançando para o Livro II, vejamos o que é capital fixo. Como já foi dito, a distinção entre as partes fixa e circulante do capital é desenvolvida com base na maior ou menor fixidez de seus elementos. Nesse sentido, obviamente, o capital fixo é formado por aqueles elementos que demoram muito mais tempo para esgotar seu valor (com a deteriorização de seu valor-de-uso) em comparação com outros elementos que se esgotam em apenas um processo produtivo, como, por exemplo, as matérias-primas. Fazem parte do capital fixo, então, todos aqueles elementos que participam de muitos processos produtivos (grandes máquinas e instalações), sendo a sua necessidade de renovação pouco freqüente e ocasional. Não devemos, porém, restringir esta avaliação a termos físicos. Capital fixo não equivale à imobilidade e sim à durabilidade. Já o capital circulante é justamente o oposto da parte fixa. Nesse sentido, ao invés de elementos duradouros, possui itens que se esgotam inteiramente em um ou poucos processos produtivos e, por isso, devem ser renovados constantemente, para que o capital siga seu processo de produção e reprodução. Seus valores são consumidos inteiramente em pouco tempo e, por isso, devem ser substituídos assim que se esgotam, o que exige uma constante circulação de capital-dinheiro para sua reposição. Daí o seu caráter circulante. Podemos citar como exemplos de capital circulante a força de trabalho, matérias-primas e auxiliares.

As diferenças entre capital fixo e circulante são muitas – quantidade em circulação, impacto da demanda na produção global, periodicidade da reprodução, manutenção de estoques etc -, mas o fundamental é perceber as distintas formas de circulação do valor: enquanto o valor do primeiro encontra-se preso à produção (até que seu valor-de-uso acabe ou se torne obsoleto), o valor do segundo permanece em circulação, (sob a forma capital-dinheiro, capital-mercadoria ou capital-produtivo) num movimento ininterrupto (a não ser por fatores excepcionais) de entrada e saída (para a renovação) do processo produtivo.

Após a exposição dos conceitos, passemos a sua confrontação.

Em termos lógicos, podemos construir as seguintes afirmações, a partir do que foi dito até aqui: 1) O capital constante divide-se entre sua parte fixa (máquinas e instalações) e circulante (matérias-primas e auxiliares); 2) Todo o capital variável é capital circulante; 3) O capital circulante compõe-se de capital constante e capital variável; 4) Todo o capital fixo é capital constante; 5) Todo o capital fixo é, em alguma medida, circulante.

De acordo com a primeira afirmação, percebemos que a ideia de que capital constante e capital fixo são a mesma coisa é completamente absurda. Isso porque se os valores das matérias-primas e das matérias auxiliares, por exemplo, permanecem em constante circulação, jamais pode-se admitir que elas sejam incluídas na categoria de capital fixo. Temos, então, uma primeira diferenciação entre os conceitos usados nos livros I e II.

A segunda assertiva, sobre o enquadramento total do capital variável na categoria de capital circulante explica-se pelo fato de que a força de trabalho necessita ser renovada constantemente (por meio dos salários). Logo, o valor do capital variável (gasto com os salários) está em circulação permanente, caracterizando um fluxo de renovação periódica e não ocasional, como se verifica no capital fixo.

Levando-se em consideração as justificativas dadas para as afirmações 1 e 2, fica fácil chegar à terceira, uma vez que esta, nada mais é do que a conclusão lógica do que foi dito nas suas antecedentes. Se parte do capital constante é circulante e o capital variável é, igualmente, circulante, devemos admitir que este constitui-se de capital constante e capital variável, o que demonstra que é um erro considerar que capital circulante é o mesmo que capital variável.

A quarta afirmativa é um pouco mais complicada porque pode levar a equívocos. Dissemos que todo o capital fixo é capital constante, uma vez que nenhuma porção do capital variável se inclui em tal categoria. Mas, não podemos, em nenhuma ocasião, considerar que todo o capital constante seja fixo, por razões que já explicitamos quando dissertamos sobre a primeira proposição.

A última assertiva, à primeira vista, pode parecer contraditória, mas uma análise mais acurada demonstra o porquê de sua coerência. A diferença fundamental entre capital fixo e circulante é a forma de circulação de seu valor. Capital circulante se caracteriza por ter seu valor em circulação permanente e capital fixo por ter seu valor preso ao processo produtivo. Contudo, admitindo-se que todo capital fixo seja constante, parte de seu valor permanece em circulação, uma vez que a mercadoria carrega uma parte alíquota de seu valor, conservado através da força de trabalho. Portanto, ainda que o capital fixo esteja preso à produção, partes de seu valor estão em circulação, corporificadas nas mercadorias.

Para concluir, devemos estar atentos às mistificações que o uso indevido de tais conceitos podem provocar. Encarar o capital produtivo como mera soma de capital fixo e capital circulante oculta o verdadeiro processo de produção da mais-valia, uma vez que esta passa a surgir do capital (circulante) e não da força de trabalho. Além disso, não devemos confundir capital variável e capital circulante com a força de trabalho, pois capital variável e capital circulante são formas de manifestação do capital em seu movimento, que serão gastos com os salários; já a força de trabalho não é o mesmo que salário, dado que seja um valor-de-uso a ser empregado na produção. De nada adiantaria despender parte do capital industrial com salários, se a força de trabalho não tivesse seu valor-de-uso especial de gerar valor excedente.

[1] MARX, Karl. O Capital - Crítica da Economia Política Livro I - O processo de produção do Capital. Vol. 1, Civilização Brasileira - RJ. p. 244.